E assim lembro que arriscar é sinônimo de petiscar.
Tudo começa com um cardápio. Você o abre e procura um prato deliciosamente degustável. O nome não especifica o que seja, porém só pelo título, percebe-se que tem algum tempero especial.
Mas rotineiramente, pede-se o menu já conhecido pra não se dar o trabalho de perguntar ao garçon o que deve pedir.
Isso leva algum tempo. Muito tempo. Tanto tempo que o condicionamento de optar sempre pela mesma refeição incomoda quem está à sua volta. Sim, há amigos que tentam oferecer, não com muita frequência, um ou outro prato diferente, e a escolha é indiscutivelmente aquele código correspondente ao PF. No entanto, amigos são amigos e pensam sempre te conhecer intimamente quando na verdade não enxergam seu reflexo no prato. É porque o prato já não reflete mais, a comida esta intacta.
O prato ainda cheio, depois de quase duas horas sentado à mesa é constrangedor pro garçon. Ele sim, se preocupa com seu cliente e quer vê-lo satisfeito com seu serviço. Faz de tudo pra agradar, mostra o cardápio novamente, não cobra o valor total nem 10%, dá a sobremesa de cortesia, aconselha um prato...
Nesse exato momento, lá pela 00:00h, quando o expediente está quase encerrado ele aconselha aquele prato. Aquele prato com nome indecifrável, nada minucioso e com tempero especial. Internamente eufórico, sem qualquer alarde, faz-se o pedido 1305.
O tempo não passa, angustiante, o aroma chega até o salão e inebria quem está à sua espera.
A surpresa de ver a combinação perfeita é tanta que os talheres não cabem nas mãos, o guardanapo permanece ao lado do copo pela metade com água em temperatura ambiente.
Ao se deparar com aquela obra de arte esteve certo que ser comida era pouco, insuficiente. Ela deveria ser almejada, apreciada, degustada e devorada.
O enorme prazer proporcionado por aquele alimento, se refastelar, de ingerir, devorar, deglutir impressionava o serviçal que admirava boquiaberto aquele quadro. O constrangimento vinha agora do cliente bem servido que, quanto mais se alimentava, mais vontade tinha de sorver especiarias e nutrientes provindos daquele manjar e que quanto mais pressionava as mandíbulas de leve pra não destruir a obra de arte, mais ela crescia no prato de louça a sua frente.
O movimento da mesa até à boca acelerou as horas e todos estavam somente à espera do sujeito da mesa 05. Deveria ser rápido e pensar numa solução: embrulhar pra viagem. O pedido foi executado com sucesso, mas o homem, desprovido dos sentidos, desde o jantar, esqueceu sua marmita e pegou o primeiro ônibus que passava. Ele ainda estava com o pensamento no restaurante.
Destraído, ainda saboreando o que seu paladar acabara de provar, se deu conta de que nada tinha nas mãos. Salta do ônibus, ainda em movimento e corre exaustivamente ao encontro de seu embrulho.
O guardião previa sua volta e entrega-lhe o pacote.
Ele retorna à sua casa, sem ansiedade, sem a necessidade de querer, sem saber, o que decidir.
Sua aparência esquálida e sua visão turva despedem-se de seu corpo, dando lugar à vitalidade de um sorriso e à cumplicidade de um olhar. Genuínos.
E, mesmo que vez em quando, tenha dias como os costumeiros, de repetir pratos por preguiça, ele se pega petiscando os mais valiosos sabores da vida. Ele se rendeu, se pôs em risco pela vontade alheia. Sempre que acorda agradece ao funcionário, a descoberta apresentada.
Assim, ele descobriu que saltar do ônibus às pressas, o fez subir alguns degraus na vida.
***achei perdido no meu computador.
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